“Ele é um dos ‘invisíveis’ de Joanesburgo”

“Ele é um dos ‘invisíveis’ de Joanesburgo”

“Ele é um dos ‘invisíveis’ de Joanesburgo”
“Ele é um dos ‘invisíveis’ de Joanesburgo” (Foto: Reprodução)

“Ele é um dos ‘invisíveis’ de Joanesburgo”

Muitos vivem do lixo, vendem para centros de reciclagem e usam o pouco que ganham para comprar heroína

Entrevista por Charlotte Jansen

Data: 18 de junho de 2025


Esta foi uma das reportagens mais difíceis da minha carreira. Eu estava produzindo imagens em Joanesburgo para o Dia Mundial do Meio Ambiente de 2018 e decidi seguir o caminho do lixo até o Robinson Deep, o maior e mais antigo aterro sanitário da cidade. Tinha uma noção básica de onde terminavam os resíduos que descartamos, mas ver tudo aquilo de perto, em tamanha quantidade e ainda intacto, foi um choque.


O cheiro era insuportável. O barulho das pás mecânicas dos tratores se misturava ao som constante de filhotes de ratos guinchando sob os enormes montes de lixo. Provavelmente eu pisei em vários deles, sem conseguir ver ou fazer algo diferente. Em um momento, pisei na cabeça de uma vaca. Graças a Deus eu estava usando botas de borracha – coisa que as dezenas de pessoas que vivem do aterro não têm. Eles trabalham sem qualquer equipamento de proteção: sem luvas, máscaras ou calçados adequados.


A imagem deste homem carregando um saco gigante, que mais parece uma capa, com um íbis voando sobre ele, foi feita com uma lente de longo alcance. Eu estava longe demais para alcançá-lo e perguntar seu nome antes que ele desaparecesse atrás da colina. Mas conversei com muitos outros por ali. Eles falaram sobre as doenças que enfrentam por trabalhar naquele ambiente, mas que não têm outra escolha. Alguns cozinham e fazem suas refeições ali mesmo. Outros, sequer saem de lá: vivem dentro do próprio lixão.


Lembro vividamente o momento em que um caminhão chegou trazendo uma nova carga de lixo. Foi como uma cascata de entulho. Todos correram desesperados em direção à queda de detritos, na esperança de conseguir algo: plástico, vidro, qualquer coisa que pudesse ser vendida nos centros de reciclagem por alguns poucos rands.


Essa cena, infelizmente, não é exclusiva de Joanesburgo. Acontece todos os dias, em aterros sanitários ao redor do mundo.


Esses catadores, como o homem da foto, são os "invisíveis" da sociedade, especialmente para as classes mais altas. Eles fazem parte da paisagem urbana, mas vivem à beira do abismo. São extremamente vulneráveis. Muitos, inclusive, enfrentam dependência química. Em Joanesburgo, é comum o uso de nyaope, uma mistura de heroína com outras substâncias. Em alguns centros de reciclagem, as drogas são vendidas ali mesmo, na porta. As pessoas entregam o material coletado, recebem o pagamento e, em seguida, compram sua dose do dia. Um ciclo de violência e miséria. Eu não consigo entender como podemos viver em uma sociedade que permite que os mais vulneráveis enfrentem esse tipo de realidade.


Grande parte do meu trabalho é entender o mundo e o meu papel nele. Isso me leva a lugares onde normalmente eu não iria e me coloca frente a frente com pessoas com quem talvez nunca conversasse. É uma forma de superar minhas próprias cegueiras sociais.


Falamos muito sobre a nossa desconexão com o meio ambiente quando discutimos a crise climática, mas esta imagem é um lembrete de que somos parte dele. O pássaro e o homem estão ambos buscando sobrevivência. Isso reforça que estamos todos juntos nisso: nosso bem-estar é interligado.


Há também um simbolismo forte. O pássaro, mesmo sendo um íbis, dá a impressão de ser um urubu, o que evoca fome e morte.


Minha fotografia é sempre um equilíbrio delicado. Quero criar imagens que sejam visualmente impactantes e que gerem atenção, mas que, acima de tudo, provoquem diálogo e toquem o coração. É essencial falar sobre o significado da imagem, não apenas sobre a sua beleza estética. Meu objetivo é gerar empatia, sem reforçar estigmas ou pontos cegos.


A ideia de objetividade no jornalismo é, para mim, um mito. Podemos ter uma cobertura ética e equilibrada, mas a decisão de o que incluir ou excluir no enquadramento já carrega um viés.


Como sul-africana, sinto uma profunda responsabilidade de me posicionar contra a injustiça. Fui da última geração a crescer sob o apartheid, antes dos chamados “nascidos livres”. Venho de uma família de ativistas anti-apartheid, muito engajada com a comunidade.


Lembro de minha mãe sendo levada pela polícia. Lembro de chegar em casa e perceber que faltava algum móvel – uma mesa, uma cama – porque ela havia doado para alguém que precisava mais. Ajudar a comunidade a sobreviver e prosperar sempre significou compartilhar o que se tem. Foi assim que aprendi sobre um cuidado radical, que nasce da nossa interconexão inquebrável com o mundo. E isso ainda orienta todo o meu trabalho.



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